segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Cientistas propõem inventário genético da biodiversidade

Brasileiros apostam em código de barras genético, que identifica espécies a partir de seqüências no DNA


Herton Escobar escreve para “O Estado de SP”:

Depois de revolucionar as ciências biomédicas por meio do estudo do DNA, a biologia molecular agora busca dar sua contribuição também na área da conservação ambiental. 

Por todo o mundo, pesquisadores estão investindo na tecnologia de barcodes, ou código de barras genético, que busca identificar espécies a partir de seqüências no seu DNA.

E, para não ficar de fora, cientistas brasileiros estão propondo um projeto de R$ 6 milhões para inventariar geneticamente a biodiversidade brasileira – e garantir que essas informações permanecerão sob domínio brasileiro.

A idéia é evitar a perda de patrimônio biológico para outros países, como já ocorreu no passado com a taxonomia clássica – ciência que busca fazer a identificação de espécies por meio de características morfológicas. 

A maior parte dos espécimes originais usados para a descrição de espécies brasileiras durante os séculos 19 e 20 foi coletada por estrangeiros e está guardada em museus fora do país.

Esses espécimes são conhecidos como holótipos (ou simplesmente tipos) e são os representantes mais importantes de qualquer espécie.

"Não podemos deixar que isso aconteça com os barcodes", disse o geneticista Sandro Bonatto, da PUC/RS.

A exemplo da taxonomia clássica, a molecular pode servir tanto para a diferenciação de espécies já conhecidas quanto para a identificação de novas.

A vantagem é que isso pode ser feito de forma mais rápida e, às vezes, mais específica. 

Duas espécies podem ser tão parecidas que, em alguns casos, torna-se extremamente difícil distingui-las apenas por critérios morfológicos (chamadas espécies crípticas).

Há pássaros aparentemente idênticos, por exemplo, que só podem ser diferenciados pelo canto.

Nessas situações, o DNA funcionaria como um tira-teima. Outra aplicação seria na identificação de espécimes e materiais biológicos apreendidos pela autoridades, como sementes de plantas, peles, ossos e dentes de animais.

"Ninguém está propondo reinventar a roda; queremos preencher buracos", explica o geneticista Fabrício Santos, da UFMG, um dos arquitetos do projeto brasileiro, ao lado de Bonatto. 

Ambos ressaltam que a idéia é agregar informações e não substituir uma ciência pela outra.

"Mesmo que o barcode identifique uma espécie nova, isso ainda terá de ser validado pela taxonomia clássica", afirma Santos. "A palavra final será sempre do taxonomista e não do geneticista."

"Existe um interface humana que sempre será necessária", reforça o pesquisador Carlos Roberto Brandão, diretor do Museu de Zoologia da USP. 

Dos espécimes tipos que não foram levados para fora do país, boa parte está guardada nas coleções do museu, onde a descrição de novas espécies faz parte da rotina diária de trabalho.

Brandão esclarece que os espécimes mais antigos não foram "roubados". 

A lei federal que obriga a permanência dos holótipos no país é de 1967. 

"Nosso museus só recentemente assumiram o papel de depositários. Até recentemente, não havia o reconhecimento da importância de manter as coleções aqui."

Trabalho de campo

Um dos caminhos para o inventário genético seria coletar amostras dos próprios museus, mas nem sempre o estado de conservação dos espécimes é bom o suficiente para se fazer o estudo de DNA. 

Por isso a proposta da Rede Brasileira de Barcodes de DNA é fazer novas coletas na natureza. Os detalhes foram apresentados durante o 51 Congresso Brasileiro de Genética, na semana passada, em Águas de Lindóia.

O projeto envolve mais de cem pesquisadores, de várias instituições, com a meta de coletar 150 mil amostras de espécies de fauna e flora em todos os biomas brasileiros ao longo de dois anos. 

A proposta foi submetida ao último edital do Programa Institutos do Milênio, do Ministério da C&T, cujo resultado deverá ser anunciado neste mês.

Metade dos R$ 6 milhões seria apenas para as expedições de campo. E os grupos taxonômicos inicialmente estudados seriam mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes, aranhas e plantas.

Mas que fique bem claro: ninguém vai sair pelo mato com uma pistolinha laser, identificando espécies como num caixa de supermercado.

A idéia é coletar amostras de tecido de cada espécie e, dessas amostras, extrair o DNA que será usado na identificação.

O DNA completo deverá ficar guardado em coleções genéticas brasileiras, enquanto as seqüências usadas como código de barras (apenas um pequenino trecho de DNA mitocondrial, de apenas 70 bases) serão lançadas em um banco público de referência - a partir do qual poderão ser feitas consultas para identificação de membros daquela espécie.

O banco de dados do projeto internacional Barcodes da Vida já tem mais de 36 mil seqüências, representando mais de 13 mil espécies.

Nesse ponto, a pesquisa também traz algumas preocupações.

Principalmente, a de que as amostras de DNA não caiam nas mãos de estrangeiros e acabem fomentando a biopirataria. 

"O problema é que o barcode é só a ponta do iceberg. Temos de tomar cuidado com o que está embaixo", disse o pesquisador Horacio Schneider, da Universidade Federal do Pará.

"Os dados têm de ser muito bem protegidos."
(O Estado de SP, 15/9)


Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=31417